Tão logo acordei, me lembrei.
Precisava fazer um joguinho, afinal, o prêmio da LOTERIA NACIONAL havia acumulado e estava pagando mais de CENTO E CINQÜENTA MILHÕES em dinheiro vivo!
O problema era o tempo: tinha menos de quarenta minutos para chegar à casa de apostas e fazer meu jogo.
Como bom patriota que sou, deixei para a última hora para preencher a cartela e pagar.
Outro obstáculo seria a fila que certamente estava enorme, faltando poucos minutos para encerrarem as apostas.
Mesmo assim, diante daquela oportunidade única, abandonei a minha soneca da tarde que já estava quase entrando no período noturno e segui para, como bom crente nos governantes e filho de Deus, fazer o meu joguinho.
O tempo era curto e tive de correr.
Cheguei ao local quase sem fôlego e constatei que a fila estva exatamente conforme as minhas previsões, ou seja, gigantesca.
Fui até o balcão, peguei um bilhete e marquei os números sugeridos pelo bolinho chinês da sorte que eu havia comido na noite anterior.
Restou então, pegar a fila.
Tive que andar bastante para chegar ao final dela.
Quando ia tomar o meu lugar, apareceu uma moça bonita que também ia fazer a sua aposta e, eu cortesmente permiti que ela entrasse na minha frente.
Lentamente, aquela longa minhoca formada por gente foi avançando rumo aos caixas onde eram realizadas as apostas.
Enquanto aos poucos se andava, as pessoas iam conversando:
-Acho que o sistema caiu. O serviço está muito lento.
-O atendimento está devagar! Quase parando.
-Acho que não vamos conseguir fazer nossas apostas…
Eram os pessimistas de plantão, que estavam à postos mesmo nas filas…
Não me importei com os comentários deles pois, naquele momento eu estava tranqüilo e despreocupado.
Para me acalmar no meio daquela agitação, comecei a imaginar onde iria gastar toda aquela grana que iria ganhar.
A primeira coisa a comprar seria uma astronave transgaláctico-temporal para passar os fins de semana longe do trabalho.
Também adquiriria algumas roupas de incursão a mundos cyber-virtuais que me permitiriam viver experiências e sensações inéditas em minha vida. Nada seria como antes.
Iria me esquecer dos problemas corriqueiros humanos e talvez até, investir uma parcela de tempo elaborando obras literárias para futura diversão da humanidade e notoriedade do meu nome.
Com alguma lentidão a fila foi avançando até que chegou minha vez de ser fazer meu joguinho.
Nesse exato instante o atendimento informou que as apostas estavam encerradas. O tempo havia esgotado.
Bem na minha vez!
Naquele instante, desabaram-se todos os sonhos que eu por alguns instantes acalentara realizar.
Cabisbaixo, peguei o rumo de casa mantendo comigo o papel onde estavam marcados os números que eu pretendia jogar.
Naquele momento de tristeza, tive então o que julguei ser até uma sorte divina, olhando para o chão, numa dessas situações em que muitas vezes encontramos coisas e objetos inesperados, vi num canteiro, jogado, o recibo de aposta com marcações em números que estavam valendo para aquele dia na mesma Loteria que eu intencionava fazer minha fézinha.
Tudo estava pago, regular e válido.
A oportunidade de participar daquele sorteio multi-milionário ainda estava de pé. Os sonhos novamente encheram minha mente de idéias e empreendimentos
extraordinários para um futuro próximo.
Agora, mais do que nunca, senti que a sorte finalmente estava ao meu lado.
Diante de tal perspectiva, até voltei para casa mais contente.
O tempo na fila de pé cobrou me obrigou a um descanso tão logo cheguei em casa…
O sorteio se daria logo.
Mesmo assim iria relaxar, provavelmente, quando saísse do descanso, seria mais um novo multimilionário.
Deitei-me, fechei os olhos e dormi.
***
Nos sonhos que teve, via-me desfrutando a vida de um ricaço, com ótima saúde, corpo sarado fruto de diversas cirurgias e treino intensivo nas academias, curtindo carrões esportivos importados do último tipo, acompanhado de garotas sensacionais…
Levava a vida de um semi-deus.
Depois de algumas horas nesse paraíso nadando em dinheiro, despertei e veio a realidade.
***
Acordei e não me senti mais rico ou pobre do que efetivamente já era.
Talvez porque, mesmo os multimilionários fossem pessoas comuns que também acordam do seu sono do mesmo jeito que todo mundo, só que, menos endividados.
Como um ser humano normal, levantei-me para fazer as necessidades básicas banheirísticas pós ronco.
Logo em seguida, tirei o bilhete do bolso da roupa, e fui verificar o resultado. Tinha certeza de que carregava os números corretos. Alguma coisa me dizia isso. Pendurado na parede, o monitor de imagens exibiu os premiados.
Veio então a grande surpresa.
Eu realmente carregava os números vencedores!
***
O tão desejado prêmio porém, não viria para o meu bolso.
Os números vencedores estavam corretos, mas, no bilhete errado.
O que eu achei na rua e que também era válido para aquela aposta não acertara nada!!
Mas aquele que eu IRIA jogar, e que não consegui chegar ao caixa para validar, estava com todos os números vencedores!!! -Cavalheirismo nunca mais!