Esta historinha que inventei é uma modesta homenagem à minha menininha bonita, a adorável ANGÉLICA!
***
Meu nome é Oscar. Sou biógrafo. – Se você acha que sua vida daria um livro, ligue para mim.
Depois de colocar este pequeno texto em uma página de anúncios classificados do jornal de bairro, o autor não parou mais de ter trabalho.
Nada mau para um sujeito que até então estava duro e desempregado.
O serviço não era difícil.
As pessoas apareciam, contavam o que queriam que fosse transformado em texto, muitas vezes, apresentavam documentos, fotos, jornais, revistas, vídeos, arquivos de computador, etc…
Tão pouco era tedioso já que nunca faria a mesma coisa duas vezes.
Mesmo assim, sabia que não podia acreditar em tudo o que ouvia.
Estava sendo pago para escrever e não para ficar discutindo a veracidade do relatado.
Acontece que algumas das histórias acabavam marcando o distinto biógrafo… Eram as que ninguém, mesmo que quisesse, poderia esquecer facilmente.
Uma delas, a mais maluca de todas, foi contada por um senhor que aparentava lá seus quarenta e poucos anos.
Tudo aconteceu casualmente…
Justamente naquele dia, sabe-se lá porque cargas d’água, Oscar estava sem nada para fazer.
As três biografias em que trabalhava naquele momento estavam sendo revisadas pelos clientes.
O próximo serviço agendado era para uma senhora que estava de viagem e só voltaria dali a quinze dias.
Foi naquele pouco tempo livre que apareceu o senhor anteriormente mencionado. Era um sujeito forte para a sua idade e vinha dirigindo uma Mercedes preta último tipo.
Estava com um boné velho que tinha estampado o número “1” acima da viseira juntamente com a palavra BRIGADEIRO.
Também usava óculos escuros.
Tirou o boné, exibiu sua barba e cabelo ralo.
-O senhor é o Oscar das biografias?
-Sou sim.
-Eu sou o Brigadeiro Moreira e gostaria de deixar por escrito o relato de algumas coisas que me aconteceram.
***
Brigadeiro Moreira…
Por alguns segundos, aquele nome ficou coçando o cérebro do pobre Oscar.
-Meu avô contava as histórias de um tal Brigadeiro Moreira quando eu era criança.
Se não me engano, chegou a ser Ministro das Forças Terranas Aero Espaciais e, depois, desapareceu com o protótipo de um caça militar ultra-secreto sem nunca mais ter sido visto.
Remoendo os pobre neurônios ainda conseguiu extrair mais informações do seu cérebro:
-Acho que ele foi considerado traidor pelo governo da época. Ouvi dizer que chegou até a ser preso.
-Tudo o que o senhor disse é correto. Sou eu mesmo este homem.
Empalidecido, o pobre Oscar coçava o queixo com uma expressão de quem não entendia nada.
-Mas não é possível! Este homem teria hoje mais de cento e cinqüenta anos de idade. E mesmo com as melhores plásticas, vitaminas, suplementos e tratamentos estéticos da modernidade, não poderia ter uma aparência jovial e atlética como a sua.
O homem que se dizia o tal Brigadeiro sorriu:
-Obrigado pelo elogio, mas, isso também é conseqüência do que pretendo lhe relatar.
Naquele momento, o grilo falante cricou na cabeça de Oscar solicitando de imediato um adiantamento.
Pelo menos, ainda que o cara inventasse uma loróta tenebrosa e incrível, ele já estaria parcialmente garantido.
-Cobro novecentos paus adiantados mais dois contos na entrega.
-Sem problemas! – Dizendo isso, o Brigadeiro tirou um cartão plastificado do bolso da camisa. – Aqui você já tem créditos no valor de um conto. – E o entregou ao biógrafo.
-Podemos começar agora, Sr. Oscar?
-Bem… Claro! Não vejo porque não.
Oscar procurou algo nas suas coisas e sacou um maço com isqueiro.
-Me permite acender um cigarro, Brigadeiro? Me ajuda a trabalhar concentrado. -Tendo aí um para mim também…
-Claro…
A sala ficou toda esfumaçada.
O Brigadeiro tirou os óculos e iniciou seu relato…
***
-Devem fazer uns cem anos que não fumo um. – Disse o Brigadeiro. – Acho que, o último foi pouco antes de tudo começar…
Eu já havia sido nomeado Ministro na época e, assim, acabei acumulando várias funções além daquelas que já tinha. Entre elas, a direção do projeto “Delta-Lua”.
Não vou negar, mas este era o trabalho que eu mais apreciava.
O Delta-Lua era o caça espacial mais equipado, rápido e bem armado da época.
E o melhor de tudo: era uma criação minha.
Lembro até hoje o dia em que eu desenhei os primeiros esboços dele em um guardanapo de mesa da lanchonete do espaçoporto.
Recordo que neste dia, ainda passava na TV um documentário onde eram discutidas as vantagens e desvantagens dos super-propulsores nas modernas espaçonaves.
Aquilo acendeu um pavio na minha mente.
Então comecei a pensar:
-Ninguém teve a idéia de aproveitar um propulsor robusto e bacana assim num caça espacial.
Peguei um monte de guardanapos e comecei a desenhar alí na mesa mesmo.
Em meia hora, já tinha a estrutura da nave, a posição dos propulsores, os instrumentos no cockpit, etc…
Saí de lá com um monte de papel nos bolsos e o dono da lanchonete reclamando porquê eu acabei com todos os guardanapos dele…
Duas semanas depois, começava a tornar o meu sonho uma realidade…
O projeto começou a sair dos sonhos e, com o tempo, acabou se tornando uma realidade, isso, antes mesmo que eu tivesse tomado posse no Ministério.
Era um projeto muito bom mesmo!
Dispúnhamos apenas de cinco protótipos para testes, sendo que, apenas um 100% operacional.
A escassez de naves aptas ao trabalho se devia à pouca verba destinada ao projeto.
Para os padrões da época, tudo era muito caro e ninguém queria jogar uma dinheirama pela janela com um tiro n ́água.
Mesmo assim tudo ali era tão sofisticado que teve de ser construído na estação espacial lunar.
Mais tarde, quando já era Ministro e ainda coordenava as atividades do projeto Delta-Lua, eu muitas vezes despachava lá de um gabinete que mandei instalar no estaleiro espacial.
Assim, acompanhava de perto tudo o que acontecia por alí.
Tudo transcorreu bem.
Os testes robotizados foram um sucesso e chegou o momento que faltava apenas a última formalidade: a pilotagem feita por um ser humano para homologação final da espaçonave.
Mesmo sendo um fumante de décadas, eu ainda na época tinha condições físicas para realizar este vôo.
Era a minha criação…
Tal teste na verdade era uma formalidade.
Era mesmo só para dar o Ok final, pois, na verdade, os robôs já tinham verificado tudo o que deveria ser examinado, e, com um rigor muito superior ao dos melhores técnicos humanos.
Acontece que, por uma questão de política, o Presidente resolveu conceder tal honra a um certo Coronel Aviador que tinha muitas ligações no partido do governo, o cara tinha fama de ser o melhor piloto do momento, insistiu bastante, e, etc, etc, etc…
Tá certo…
O Presidente mandou, tem que obedecer. Afinal, o dinheiro para o projeto Delta-Lua era público, e, mesmo o meu cargo tinha suas limitações…
Só que ocorreu um fato inesperado.
Setenta e duas horas antes do teste final, apareceu um OVNI justamente na região do espaço bem próxima ao estaleiro. E vou ser sincero.
Aquela era a grande chance que eu esperava de fazer um teste do equipamento já numa condição diferenciada, talvez até, mais próxima à realidade de combate que a espaçonave iria mais tarde iria enfrentar.
Era mais do que sabido que os OVNIS avistados naquela região eram mais rápidos que as nossas espaçonaves.
Eu tinha inteira confiança no caça.
Quanto as minhas condições físicas à época, bem, eu já havia pilotado aquela espaçonave no simulador de realidade virtual e já sabia o que me aguardava!
Estava pronto para o que desse e viesse, mesmo que, fosse numa situação extrema.
Resolvi partir para cima e, contrariando tudo, eu mesmo comandar a operação.
Iria liderar uma esquadrilha de apenas doze caças numa perseguição àquele OVNI. Todos eles, de menor desempenho que o meu Delta-Lua.
Sentado no cockpit da espaçonave é que eu percebi de verdade como ela era uma maravilha.
Rápido como nenhum outro, muito macio e esperto para manobrar.
Logo depois da decolagem fiz contato visual com o OVNI e rapidamente me aproximei dele.
O alvo acelerou e só eu consegui acompanhá-lo com o meu caça.
A esquadrilha ficou toda para trás.
Acelerei um pouco mais diminuindo a distancia dele e, finalmente coloquei-o ao alcance das minhas armas.
Neste exato momento, ele executou uma série de manobras malucas e voltou a se afastar…
Ainda assim, não desgrudei dele!
Eu o seguia até onde era possível.
O meu navegador robotizado trabalhava intensamente e, logo, consegui diminuir a distancia novamente.
Tentei contato chamando e fazendo saudações, não obtive respostas.
Formulei então as ameaças de praxe…
Também não obtive respostas…
Disparei alguns tiros de advertência e o OVNI deu a impressão de que iria aumentar mais ainda a sua velocidade tornando assim, em definitivo, impossível acompanhá-lo com o equipamento de que dispunha.
Disparei então mais alguns tiros e, quando até já estava desanimando com a minha mira, acabei acertando o alvo por acaso.
De-repente, do ponto do OVNI onde meus projéteis haviam atingido, saiu uma coluna de fumaça branca.
A coluna de fumaça rapidamente engrossou formando uma névoa que cercou tudo ao meu redor…
Era fantasmagórica, e ia se adensando cada vez mais.
Logo fiquei sem visão de nada.
No espaço tudo é negro, mas, alí, tudo estava encoberto com aquela névoa fina. Me sentia como alguém que pilota no meio da mais completa cerração…
Tudo estava branco e não se enxergava nada.
Lembro que acelerei o que podia para sair dalí, mas, o resultado que acontecia na verdade era o inverso do desejado.
A névoa ia ficando cada vez mais densa.
Só que então, ela desapareceu.
Eu não estava mais no espaço, e sim, no centro de uma estrutura que visualmente aparentava ser milhares de vezes maior que o mais grande estádio de futebol terrestre. Reparei então outro detalhe.
Eu acelerava tudo nos meus motores e o caça permanecia parado.
Desliguei-os então, e o resultado continuou sendo o mesmo.
Fiquei alí flutuando sem que nada demais acontecesse.
De acordo com o relógio, ainda permaneci quatro horas aguardando uma mudança de situação.
Na célula de sobrevivência, poderia continuar em relativa segurança por mais uns vinte dias, mas, diante da indiferença total daquele ambiente com relação à minha presença, achei que deveria tomar algumas providências.
Resolvi arriscar um passeio fora do caça.
Regulei meu traje para a condição máxima de isolamento e abri a célula de pilotagem do caça.
Com os cintos desafivelados, dei um pequeno impulso com os pés e lentamente fui me afastando da minha espaçonave.
Cada vez mais…
Até que, em dado momento, toda aquela estrutura ao meu redor se iluminou mais ainda.
A luz passou a incomodar pois era quase ofuscante…
Não gostei muito pois, eu e o meu caça estávamos pendurados no meio do nada por nada com aquela coisa gigantesca cercando.
Olhei para baixo enquanto flutuava, e me dei conta que estava muitos e muitos quilômetros acima do chão.
Não o chão daquela estrutura e sim o de um mundo que havia muito abaixo e distante dela.
Apesar das minhas estrelinhas de Ministro e Brigadeiro, juro que quase passei mal. Faltou pouco para que eu não vomitasse no capacete.
Mais uma vez compreendi as razões que faziam até os mais experientes astronautas sentirem vertigens ao fazerem seus passeios espaciais.
O espetáculo visual daquela magnitude e a falta de gravidade fizeram com que eu inconscientemente me afastasse do caça.
De-repente, após todo aquele tempo de tranqüilidade, o inesperado ocorreu: um raio brilhante e esverdeado saído de alguma parte daquela gigantesca estrutura acertou e inutilizou a minha espaçonave.
O que me salvou de ser atingido por alguns dos destroços que saíram voando para todos os lados foi a minha distância do caça.
Se minha situação já não era, agora ficou menos otimista ainda.
***
O Brigadeiro olhou para a fumaça que ainda saia do toco do seu cigarro e disse com um olhar meio vago.
-Eu estava bem enrascado naquela hora… Oscar parou de digitar no teclado.
-Mas o senhor conseguiu se safar…
O Brigadeiro sorriu e disse:
-Eu não diria que me safei…
***
Depois que houve a destruição do caça, veio a gravidade…
Ela subitamente puxou tudo para baixo.
Bem diretamente para os quilômetros e quilômetros que eu tinha de encarar até finalmente me espatifar chão, ou, incendiar na atmosfera daquele mundo lá embaixo.
Me senti como se fosse um lixo varrido para fora da sala.
Me afastava da estrutura e rapidamente me aproximava do planeta abaixo de mim. Olhando de longe ela parecia um imenso anel prateado que ia se distanciando cada vez mais depressa..
Diante de mim o planeta aumentava de tamanho.
Percebi que não era a Terra.
Talvez, eu nem estivesse mais no sistema solar…
No meio do lixo que sobrou do meu caça, procurei pela célula de pilotagem e sobrevivência.
Ainda parecia intacta e não estava muito distante de mim. Consegui me aproximar e entrar nela.
Me ajeitei rapidamente na poltrona e logo fechei a célula. Foi bem a tempo pois, logo chegou a atmosfera do planeta.
A velocidade da céula era bastante grande e, logo, o fogo a envolveu juntamente com a maioria dos destroços do caça que a acompanhavam rumo à superfície daquele mundo.
Com tantas preocupações naquele momento, ainda me peguei imaginando aquela cena sob o ponto de vista de um observador lá em baixo.
Talvez, ele imaginasse que se tratasse de uma chuva de estrelas cadentes…
***
Oscar sorriu, acendeu outro cigarro e perguntou:
-Tudo bem, Brigadeiro, mas, como é que o senhor saiu dessa? Digo, o senhor estava mergulhando atmosfera adentro numa célula de sobrevivência em chamas.
O Brigadeiro sorriu e respondeu com outra pergunta:
-Tem uma cervejinha?
-Brigadeiro, por essa história, e, pelo que o senhor está me pagando tenho até um wiskhy.
Dizendo isso, Oscar se levantou da mesa onde até então estivera sentado, foi até um armário do outro lado da sala, abriu-o e tirou dalí de dentro uma bandeja com copos, garrafas e uma caixinha com vários charutos.
-Fume destes, Brigadeiro. Foram mundialmente proibidos por mais de cinqüenta anos.
-Lembro bem . É daqueles que a Medicina teve provar que fazia bem para a saúde até poder voltar a ser vendido.
-Isso mesmo, Brigadeiro. Mas, como o senhor se afastou daquela situação?
*** -Como já lhe disse, Oscar, eu não escapei.
O fogo já estava envolvendo totalmente a célula de sobrevivência.
Minha única preocupação naquele momento eram os tanques de oxigênio concentrado que, naquele momento, não estavam devidamente protegidos como deveriam.
Existia o risco de explosão.
Eu estava transpirando um bocado.
Para mim, o tempo parecia transcorrer mais lentamente.
Sentia cada vibração, estalo, etc.
Tudo que acontecia na célula parecia chegar no seu corpo…
Às vezes fechava os olhos para espantar o pavor e tentava me imaginar em um lugar seguro como a barriga da minha mãe.
Até o momento, que novamente os abria, e me dava conta de que passava por uma situação de extremo perigo.
Numa das vezes que fechei os olhos, senti que a temperatura mudou abruptamente…
Como se num dia de calor escaldante você simplesmente entrasse numa piscina refrescante ou mesmo, numa sala com ar refrigerado ligado.
Achei que fosse o meu cérebro querendo me pregar peças a fim de aliviar a morte eminente.
Quando abri os olhos vi que não corria mais perigo.
Inexplicavelmente, me encontrava numa situação totalmente distinta.
Estava agora, numa ampla e bem iluminada sala com paredes repletas de obras de arte e monitores de imagem de tela plana.
Um deles, mostrava exatamente o planeta cuja atmosfera era cortada pelos destroços do meu caça.
Os detalhes eram tão nítidos que vislumbrei até a célula onde eu estivera a alguns segundos atrás.
Tão compenetrado estava naquelas imagens, que não percebi a aproximação de um camarada:
-Olá! Sou Nimbus!
O susto foi inevitável.
O tipo não falava.
***
Não chegava a ser grande, mas, era imponente, talvez, devido à sua roupa cinza muito parecida com a dos padres.
Não tenho certeza, mas, talvez, nem boca para se comunicar o sujeito tivesse. O fato que tenho certeza é que, mesmo assim, eu ouvia sua voz.
-Lamento que tenha passado por momentos tão angustiosos dentro de sua nave, mas, o senhor me atacou quando passava pelo seu planeta.
-Não obtive resposta às mensagens de saudação que enviei e segui o regulamento que, em casos assim, determina interceptação e derrubada do objeto desconhecido.
Nimus não se manifestou, mas, pelo movimento de sua cabeça, mostrou compreender a minha posição.
-Nossa reação também foi impensada, mas, assim que percebi que havia vida no aparato que nos atacava, resolvi poupá-la.
-Nossa reação? Existem outros como você?
-Quando me expresso assim é porquê me refiro ao meu Irmão-Viajante-Nave além de mim mesmo.
-Irmão do quê? Dá para explicar?
-Estou telepaticamente ligado a uma bio-nave que faz viagens através do tempo e espaço. Ela é bem mais velha que eu e, muitas vezes toma logo decisões já que, além de mais experiente, sua mente processa grandes quantidades de dados mais rapidamente que eu. Algumas vezes, a decisão é uma Resposta Instintiva, como no seu caso…
-Resposta instintiva?
-Você atacou um instrumento lançado em sua época durante a nossa passagem por alí. Seu ataque nos tirou da rota estabelecida além de causar danos à nossas instalações. Essa é a causa de acabarmos todos vindo parar nesta época.
Reparados todos os danos causados que lhe foram impingidos, o Irmão-Viajante- Nave em seguida eliminou a causa de todos os seus problemas, ou seja, você e o seu caça.
-Jogando-me naquele planeta como se fosse um lixo?
-Algo assim. Mas eu interferi naquela decisão para salvá-lo pois, para mim toda vida é importante…
Nimbus me deixou bem mais tranqüilo afinal, não eram poucos os relatos de contatos com formas de vida extraterrestres pouco amigáveis.
-O que pretendem fazer comigo? – Indaguei.
-Você nos acompanha. Minha missão não pode esperar. Os bio-computadores estão processando nossa atual posição e logo prosseguiremos com a jornada.
-Missão? Jornada? Para onde estamos indo?
-Seguindo ao encontro da MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS.
-Você quer dizer… Deus?
-Inúmeras raças Lhe dão infinitos nomes. A minha chama assim.
-Desculpe… – Manifestou-se o Brigadeiro um tanto incrédulo. – Mas como espera
encontrar Deus? Acaso tem um telefone direto com o Todo-Poderoso?
-Toda poderosa! Para nós, a Natureza genitora do universo é feminina. Quanto à sua pergunta, respondo que não usamos telefones a um bom tempo, mas, o Irmão- Viajante-Nave é a mais poderosa máquina de viagem pelo tempo já concebida. É um dos poucos capaz de chegar ao início dos tempos, no momento da Criação.
Aquilo me chocou!
Estava lidando com seres que dominavam a viagem no tempo e controle gravitacional como hoje a humanidade conhece a energia elétrica ou a do vapor…
Uma raça cuja missão ia muito além de qualquer meta almejada pela humanidade: encontrar com Deus no início dos tempos.
***
Lembro bem que depois de dizer aquilo, Nimbus passou a se movimentar mais rapidamente.
-A ancora do tempo já estabeleceu nossa nova posição e nos disponibilizou energia suficiente para prosseguir diretamente até o momento da Criação.
De um instante para outro, senti que a nave partiu.
Não através de solavancos, sons ou movimentos bruscos, mas, sim através da mente.
Olhei para o “telão” e vi que já não estávamos mais orbitando o planeta onde antes eu quase incendiara.
A imagem agora mostrava um intenso chuvisco.
Na minha mente, naquele momento algo dizia que me encontrava onde o tempo já não mais existia.
Na verdade, numa passagem. Num caminho entre o agora, o passado e o futuro. Uma outra dimensão…
Mesmo alí, pude ouvir Nimbus quando ele decidiu:
-No momento da Criação, irei interrogar a MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS. São indagações formuladas pelos mais sábios membros da minha raça. Esse diálogo será gravado para a posteridade. Levando ao meu povo as respostas, saberemos nossa verdadeira missão dentro do Plano Geral e, assim, não ficaremos mais à mercê de forças ou criaturas que se digam portadoras da Mensagem ou Palavra Divina.
Essa é a última coisa que me recordo com clareza…
***
Oscar parou de digitar no teclado e perguntou:
-Como assim? Não entendi.
O Brigadeiro Moreira deu mais tragadas no seu charuto e algumas bicadas no seu wiskhy.
-O tal do irmão chegou no começo dos tempos e agente deu de cara com Deus.
Ou, sei lá, a tal MÃE CRIADORA…
***
Só sei que perdi a noção de todas as coisas naquele momento.
O que vou te dizer agora é muito relativo.
Não tenho certeza se ocorreu realmente.
Muita coisa eu tive que reconstruir mentalmente depois de tratamento psiquiátrico. Primeiro veio aquela sensação de vertigem ou, sei lá o quê…
É algo que nunca passei em toda a minha vida, nem com as drogas mais fortes que cheguei a experimentar.
Num certo momento, o que lembro é que me sentia como se estivesse totalmente alerta!
Tinha consciência até mesmo do meu último fio de cabelo.
Quanto a Nimbus, ele parecia no controle de tudo o que acontecia, não sei…
Na minha mente eu ouvia a sua voz. Ele parecia gritar:
-O Criador existe ou tudo é mera obra do acaso?
Sua pergunta parecia um farol dentro da noite escura. Alí só existia a treva mais pura.
Ele gritou tanto até que se esgotou.
Não fez mais som algum.
Tudo ficou no maior silêncio então.
Nada se via além das luzes do Irmão-Viajante-Nave.
Eu pressentia que de algum modo, as coisas não estavam boas…
De-repente, um estranho som.
Vibrava e chacoalhava com tudo.
Parecia vir de todos os lugares.
-AAUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUMMMMMMMMMMMMMMMM…
Dava a impressão de sair do interior de uma profunda caverna…
O pior ainda veio a seguir.
A voz.
Ensurdecedora e fazendo tudo vibrar mais ainda.
-VOCÊS NÃO PERTENCEM A ESSE TEMPO! SAIAM DAQUI.
Mesmo com suas energias quase esgotadas, Nimbus ainda tentou enviar telepaticamente suas perguntas.
Senti isso naquele momento, mas, antes que ele pudesse sequer formulá-las, a voz gritou de novo:
NENHUM INDIVÍDUO OU RAÇA É OU SERÁ CAPAZ DE COMPREENDER-ME NA TOTALIDADE.
FUTURAMENTE ME MANIFESTAREI ATRAVÉS DE MUITOS INDIVÍDUOS EM DIVERSAS ÉPOCAS OU LUGARES.
AGORA SAIAM DAQUI!!! VOCÊS NÃO PERTENCEM A ESTE MOMENTO!!!
ESSA ÉPOCA FICARÁ INACESSÍVEL PARA VOCÊS E PARA OUTROS QUE DECIDAM VOLTAR…
***
Daí por diante, tudo fica completamente vago na minha mente.
Oscar bebericou mais um pouco do seu copo evitando olhara diretamente para o Brigadeiro.
-O que veio depois?
-Uma grande explosão… Não estou bem certo. Neste espaço, minhas memórias estão embaralhadas.
***
-Depois disso, só me lembro de ter acordado numa praia deserta com uma tremenda dor de cabeça e aparentando estar vários anos mais jovem.
Mesmo assim, naquele momento, estava preocupado com outra coisa.
Queria voltar à civilização e levar uma vida normal.
Ainda vaguei por bastante tempo até encontrar gente.
Depois, contando minha história para as pessoas, percebi que elas não me levavam à sério.
Logo descobri a razão.
Passaram-se mais de setenta anos desde que eu fora visto pela última vez nos arredores do espaçoporto lunar.
Eu já me transformara em figurinha lendária, daquelas de freqüentar os livros de história nas escolas.
Achei que se o pessoal das forças armadas ouvisse minha história, entenderia o meu ponto de vista.
Me apresentei ao oficial de comando do meu antigo quartel.
Conversei um bom tempo com o sujeito que, de cara, pareceu não acreditar numa só palavra do que eu dizia.
Na hora, não me dei conta disso, ou mesmo, do que estava acontecendo ao meu redor.
Um médico foi chamado e, sem que eu percebesse, entrou na sala onde conversávamos e me anestesiou.
***
Passei bastante tempo preso.
Fui examinado de tudo quanto é jeito.
Depois da bateria de testes pela qual passei, não precisaria mais ir ao médicos por uns dez anos.
Foram tempos difíceis que, de um modo não muito brando fizeram minha mente voltar ao normal.
Logo percebi que tudo o que eu estava passando nas mãos dos militares só seria útil se eu recuperasse minha clareza de pensamentos, pois, eles não acreditavam numa só palavra do que eu dizia.
Infelizmente, a versão que eles davam crédito era a de que eu havia roubado o protótipo do Delta-Lua e vendido aos inimigos.
E não só isso, também acreditavam que eu havia passado por uma lavagem cerebral e agora voltava a me apresentar para tentar espionar.
Depois de muito tempo preso, num belo dia, fechei os olhos e ouvi novamente dentro da minha cabeça aquela voz que eu havia escutado no momento da criação.
Mesmo depois de passado tanto tempo, sabia que era a mesma voz, mas, agora eu percebia algo mais: ela era feminina!
A pequena marca que eu tinha no peito pulsava como se se tivesse viva enquanto eu ouvia:
-SIGA O CAMINHO DA PAZ COM SEUS IRMÃOS ELES AINDA NÃO ESTÃO PRONTOS.
– PREPARE SEUS CORAÇÕES E MENTES POIS, NO FUTURO TUDO VAI SE REUNIR NOVAMENTE.
Assim que ouvi isso, percebi que todas as portas da prisão onde eu me encontrava estavam abertas e não havia absolutamente ninguém para vigia-las.
A base militar estava completamente deserta.
Saí dali e quando cheguei na rua, reparei que o movimento do dia a dia continuava o mesmo.
Olhei para trás e então vi as coisas no quartel de um segundo para outro voltarem para dentro da mais pura normalidade.
Até a sentinela que a poucos instantes havia desaparecido estava de volta à guarita de observação.
E ninguém parecia preocupado com o fato de eu estar no meio da rua parado e olhando…
Saí caminhando calmamente e, por puro acaso, fui parar na praia onde havia acordado depois da jornada pelo momento da criação.
***
Minha carreira nas Forças Terranas Aero-Espaciais havia terminado.
Preso, descobri porque o comportamento dos meus colegas para comigo não era nada respeitoso.
Os planos do projeto Delta-Lua foram parar nas mãos do inimigo que, além de construir uma esquadrilha inteira deles, ainda fez aprimoramentos que o tornaram ainda mais mortal.
Durante uma guerra que durou quase trinta anos, o Delta-Lua e seus derivados foram as principais e mais mortíferas vedetes.
Ao fim do conflito, o projeto original continuou evoluindo e hoje já existem os Delta- Marte e ainda o Delta-X que, pode alcançar os limites do sistema solar em poucos minutos…
Fiquei com a fama de traidor diante de todas aquelas situações e, transcorrido tanto tempo, não haveria como poder limpar o meu nome.
Qualquer investigação seria demorada e improdutiva.
Me restava então aproveitar a juventude que eu havia ganho depois de tudo.
Com a minha sabedoria, certamente aquela segunda oportunidade seria muito bem utilizada.
Além da inexplicável liberdade que eu havia ganho, ainda tive outra sorte.
Quando estava sentado numa calçada, apenas deixando o tempo passar, alguém me jogou uma moeda.
Naquele momento uma estranha sensação me percorreu o corpo.
Tinha que jogar aquele dinheiro, o único que tinha, num cassino.
Lá, joguei exaustivamente durante dois dias.
Não perdi nenhuma partida.
Os seguranças ficaram em cima de mim o tempo todo, mas, eu estava com sorte. Logo levantei uma fortuna nas mesas e caça-níqueis.
Apliquei essa grana jogando durante muitas noites seguidas sem perder uma só partida.
Fiquei tão rico que acabei comprando meu próprio cassino. Agora, estou aqui te contando minha história.
***
-Caramba! É isso?
O Brigadeiro Moreira fez um bico com a boca, deu um sorriso e disse:
-Por enquanto… Acho que agora é o momento de contar minha vida para os outros e transformar esta biografia num BEST-SELLER.
-Brigadeiro, a história não é ruim… Agora, virar BEST SELLER…
O Brigadeiro deu um tapinha no ombro de Oscar e disse:
-Tudo tem seu tempo, meu rapaz… Tudo tem seu tempo…
A segunda parte do pagamento foi feita alí mesmo.
Em seguida os dois se despediram e o Brigadeiro partiu deixando o seu biógrafo um tanto pensativo:
-Mais uma história maluca para a minha coleção… Agora, vai lá Deus saber se é verdade mesmo.