Mais uma vez, Max e Dredd sentaram-se diante de si com uma mesa separando-os.
Alí iriam jogar xadrez.
Disputariam para saber quem seria o campeão da temporada.
Estavam empatados em número de partidas ganhas ou perdidas e aquela seria a decisiva. E era horário do almoço.
Acionaram um tabuleiro eletrônico que projetou as peças em três dimensões de forma que, estas pudessem ser movidas com as mãos assim como as reais.
O desenvolvimento do jogo foi veloz e nenhum dos dois contendores tinha intenção de facilitar nada para o outro.
A tensão aumentava e o silencio era total.
De-repente um telefone tocou insistentemente.
Era um celular. E, pelo som estava no bolso do capote que Dredd usava.
-Me desculpe.
Sacou o aparelho e verificou o identificador de chamadas.
Fez uma careta horrorosa e disse:
-É o barbudo!
-Mas você não tinha desligado o aparelho?
-Claro que tinha!
-Mas como é que ele consegue?
-Sei lá! Alô… Tá… Tudo bem…
Dredd desligou o aparelho e disse:
-Tem serviço prá gente.
-Mas você tem certeza que desligou o celular?
-Claro que sim, Max. Isso é algum truque do barbudo prá cima da gente.
-Deixa eu verificar esse aparelho…
-Eu já olhei, a programação está certinha. Veja você mesmo.
Dredd passou o telefone para Max que mexeu bastante no mesmo sem encontrar nenhuma irregularidade.
-Tem razão! – Esse barbudo está usando alguma artimanha.
-Em todo caso vamos ver o que ele quer.
-Não adivinha?… Certamente passar para gente algum serviço muito chato.
***
Entraram na viatura e, assim que sentaram, acendeu-se uma tela de imagens instalada no painel do veículo.
Alí apareceu o distintivo do departamento de polícia que em seguida diminuiu de tamanho mostrando o barbudo.
-Tem um servicinho chato para vocês.
-Eu sabia. – Disse Max.
O barbudo deu um sorriso.
-Eu sei que você sabia, mas, você também deve saber que eu sei que vocês são indicados para esse serviço.
-Não, essa eu não sabia. Mas que tipo de serviço você tem para nós?
-É um caso estranho. Envolve o sumiço de muito dinheiro e ainda de um figurão da área médica. Acho que a história tem mais alguma coisa de incomum e o meu sexto sentido diz que esse é uma ocorrência boa para vocês resolverem.
-Quem é o sujeito?
-As informações estão sendo criptografadas e enviadas para o terminal na viatura de vocês. No momento a imprensa não tem conhecimento de nada. Por enquanto devemos manter a investigação em sigilo.
Na tela, a imagem do barbudo ficou menor e, ao lado dela, apareceu um quadro com um longo texto detalhando as informações a respeito da ocorrência.
-Como é que você consegue fazer o truque com o celular? – Perguntou Dredd.
-Ah sim! O truque com o celular… – Lembrou Max. – Como nos chamou? O aparelho estava desligado.
-Espero não ter interrompido nada. – Disse o barbudo com cara de inocente.
-Só a partida que estava decidindo o campeão da temporada de xadrez.
-Semana que vem vocês organizam outra…
-Aí já será outra temporada. – Reclamou Dredd com cara de desconsolado… -Como conseguiu fazer o truque do telefone? – Perguntou Max novamente.
-É o poder da mente. Basta um pouco de concentração. Qualquer pessoa pode fazer igual.
***
Guardaram a viatura na vaga do estacionamento que dava de frente para um conjunto de 8 arranha-céus idênticos com mais de cem andares cada.
Tratava-se do complexo hospitalar administrado pelo figurão que havia sumido.
Era cercado por um muro de cinco metros de altura por dois de espessura, e, o único acesso ao seu interior se dava por uma portaria muito bem vigiada.
Assim que se identificaram, a entrada de Max e Dredd foi autorizada e os dois se encaminharam diretamente para a recepção onde o gerente geral já os aguardava.
O sujeito foi direto ao assunto:
-Constatamos hoje saques não autorizado em diversas de nossas contas bancárias. Todas tiveram seus créditos transferidos sem autorização para uma conta num banco na República Socialista da Coxinxina.
-O que dizem as instituições de onde estes valores foram subtraídos?
-Que não tem responsabilidade alguma já que os saques foram realizados através de uma senha exclusiva do presidente do grupo.
-E ele não fez os saques?
-Não conseguimos localizá-lo em lugar algum. Ele também sumiu.
Max e Dredd se entreolharam.
-Este pode ser um caso de rapto e seqüestro. – Disse Max.- Sem contar, o roubo que aparentemente já está configurado. Talvez até, a vida do presidente esteja sob risco. Quando ele foi visto pela última vez?
-Aqui, foi na sexta feira.- Respondeu o Gerente Geral.- Normalmente ele sai e segue para casa dele.
O gerente escreveu num papel o endereço da residência e mais alguns dados a respeito do presidente.
-E o banco que recebeu essa grana? – Já entraram em contato com eles? – Indagou Dredd.
-Sim! E descobrimos que ele não é muito grande nem conhecido. Dá pinta de ser fachada para outra coisa. De qualquer forma, seus representantes disseram que, para eles, aquela foi uma operação normal, e que, baseados nisso, não revelariam mais nada a respeito do titular da conta que recebeu o depósito.
-Mas não existe uma Lei que obriga os bancos a trocarem informações mesmo que sejam sigilosas?
-No nosso país sim! Vai cobrar isso lá na Coxinxina…
-Já conheço a história. – Comentou Dredd. – Na hora do aperto, banco nenhum quer saber.
-E na casa dele? O que falaram? – Perguntou Max.
-Ninguém por lá atendeu nossas chamadas.- Respondeu o gerente.
-Muito estranho… – Comentou Dredd. – Era bom dar um pulinho lá para ver se conseguimos descobrir alguma coisa.
Max olhou para o papel com o endereço e concordou.
***
Deram ainda uma vistoriada no escritório onde o presidente trabalhava e, alí, nada encontraram de esclarecedor.
Seguiram para a residência dele.
Imaginaram que fosse uma casa grande ou mesmo, um ou dois andares inteiros em algum prédio chique…
Depararam-se com algo bem diferente.
Era uma mansão monstruosa que ocupava área equivalente à de uns quatro quarteirões comuns às cidades médias.
Toda cercada por grossos e altos muros de concreto.
Assim que chegaram, logo estranharam.
Na entrad, não havia um porteiro e ninguém respondia à campainha.
Por sorte, não passou muito tempo e logo chegava para cumprir a sua jornada de trabalho um dos empregados domésticos.
Assim que entrou, foi interceptado:
-Somos da polícia! – Identificou-se Max mostrando o seu distintivo.
– O senhor trabalha aqui?
-Sim. Sou mordomo.
-É normal esta portaria assim vazia? – Indagou Dredd.
-De forma alguma! É até uma falha grave na segurança. Alguém, ou alguma coisa deve ter desligado todo o sistema de segurança. – Respondeu.
-E como ele funciona?
-Além de câmeras registrando tudo no interior e exterior, a residência também é monitorada pela empresa que, em caso de anormalidade envia uma equipe.
-Não estou vendo ninguém por aqui. – Disse Dredd.
-Nem eu. – Concordou Max. – Está tudo escuro.
-Os senhores tem razão!- Disse o mordomo. – Algumas luzes da casa sempre estão acesas e estou vendo-as todas apagadas. A residência tem um gerador que deveria estar funcionando em situações como essa de falta de energia elétrica.
-Muito esquisito mesmo…
Os três foram entrando.
Max e Dredd iam adiante, de armas em punho verificando cada cômodo. Chegaram então numa sala onde encontraram dois homens decapitados.
***
A cabeça de um deles encontrava-se próxima ao corpo, a do outro não.
Mesmo assim, o mordomo identificou quem era o morto:
-E o presidente! Não tenho dúvidas!
Dredd coçou a nuca; fazia cara de quem não entendia direito o que estava acontecendo.
-Puxa! Eu tinha certeza absoluta que esse cara tinha culpa na história. Agora, nem sei por onde começar.
Max passou a palma da mão no queixo dizendo:
-Quer saber? Eu também tinha essa mesma opinião! Estava tudo tão óbvio!
Observando os mortos, verificaram que os cortes que lhes ceifaram as vidas eram precisamente iguais. Pareciam feitos com guilhotina.
Tiraram fotografias com os próprios telefones celulares já fazendo uma perícia preliminar.
Tanta tecnologia na residência foi inútil pois não evitou a ocorrência do crime, tão pouco, acionou a equipe da empresa responsável pela segurança que já deveria estar no local.
Mesmo descrente que tanta parafernália ainda pudesse ser útil, Dredd tirou o pequeno cartão plástico que estava conectado na parte traseira do corpo de cada uma das mini câmeras que monitoravam o local do crime e as suas imediações.
Sacou do capote que vestia, um bloco de notas eletrônico.
Introduziu um a um, na fenda lateral que havia na sua engenhoca, todos os cartões que retirara das câmeras.
-Esse modelo de câmera tem um sistema de emergência que, mesmo em caso de falta de energia ainda grava cem horas de imagens e sons na memória dos cartões.
-Então poderemos ver o que aconteceu aqui? – Indagou Max.
-Se tudo correr bem, com certeza.
Dredd colocou o bloco de notas eletrônico sobre a mesa e, deste saiu a projeção de uma imagem tridimensional no meio do ar.
Em ritmo acelerado, mostrava o que aconteceu anteriormente no local.
Chegou até o momento em que na sala adentraram o presidente e o outro homem que ali também fora decapitado.
Pelas roupas que este trajava, parecia se um padre.
Os dois sentaram-se nas poltronas que ali haviam. As mesmas em que, mais tarde seriam encontrados seus corpos decapitados.
-Esse transplante vai me dar vida nova. – Dizia o padre. – Será uma experiência maravilhosa. Vou desfrutar muito mais.
Sentado, com ar compenetrado, o presidente nada falava.
Apenas observava o conteúdo de um bloco de notas eletrônico que manuseava. O padre em compensação, não parava…
-Não precisa se preocupar. Eu mesmo verifiquei tudo. O doador é compatível. Fiz os exames como você sugeriu e ainda tirei as medidas. Verifiquei tudo várias vezes.
-Como foi mesmo que conseguiu, padre Jillruga?
-Fácil. O sujeito é doente mental. Foi só convencê-lo de que prestava um serviço para Deus. Ele até mesmo tomou o remédio que lhe paralisou as próprias funções cerebrais…
-Muito bem. Espero que compreenda que esta cirurgia é custosa e… -Já entendi. Mas também para isso vim preparado.
O padre puxou uma maleta preta.
Colocou sobre uma mesa e a abriu.
Estava cheia de notas graúdas organizadas em pequenos maços com cem cédulas cada.
-É suficiente?-Indagou o padre.- Alguns foragidos da justiça que estiveram no meu confessionário disseram que metade desta quantia iria agradá-lo.
-Como sempre, está bem informado, padre. – O presidente deu um sorriso e continuou falando. – Não deve ter sido fácil conseguir todo esse dinheiro…
-Na minha posição dentro da igreja, tenho acesso a quantias muito superiores a esta. O valor contido nesta maleta nada representa perto do disponível nos cofres eclesiásticos.
O presidente então voltou novamente a atenção para seu bloco de notas eletrônico. -Pelo que estou vendo, o doador está pronto no centro cirúrgico. Aqui, nós já acertamos os últimos detalhes burocráticos.
-E eu estou pronto para mudar de vida. Com o corpo do doador e a grana que acumulei levarei uma vida sexual bem mais ativa. Os meninos que se preparem. -Realmente, padre Jilruga, o senhor escolheu muito bem o corpo para onde o seu cérebro será transplantado, é um belo espécime mesmo.
-E olhe que esse aí é jovem! Não tem nem 25 anos. Um verdadeiro cordeiro de Deus!
-Estando tudo ok, podemos dar início aos procedimentos da cirurgia.
-Ah! Já não era sem tempo. Mal posso esperar para me livrar deste corpo horrível que tenho e assumir o do doador.
Foi então que entraram quatro robôs na sala onde se encontravam o padre e o presidente.
Um deles se aproximou do padre e disse com sua voz digitalizada:
-Com licença, preciso colocar este transportador ao redor de sua cabeça. -Transportador? – Indagou o padre.
-É a primeira parte do procedimento cirúrgico. – Esclareceu o presidente. – Não se preocupe.
Sobre os ombros, o robô colocou uma caixa que envolvia toda a cabeça do padre, que por sua vez permanecia calmo e sentado.
Outro robô aproximou-se pelas costas do padre, e encaixou na parte da caixa que envolvia o pescoço uma lâmina quadrada e muito afiada.
O resultado foi a imediata degola do padre cuja cabeça tombou para frente caindo no chão.
Os outros dois robôs se aproximaram por trás do presidente, seguraram-no pelos ombros, mantendo-o indefeso e repetiram o truque da caixa.
Desta vez porém não deixaram que a cabeça do presidente caísse no chão. Fecharam a caixa completamente e apertaram alguns botões que havia numa das paredes externas dela.
Ela chiou como se soltasse forte sopro de ar e acendeu uma pequena luz verde. Os robôs saíram daquela sala levando a valise com o dinheiro e deixando para trás dois corpos decapitados além de uma cabeça no chão.
As câmeras não mostraram nada mais de interessante referente àquele local.
Aparentemente, o crime já estava esclarecido.
As imagens projetadas chegaram ao fim deixando Max e Dredd ainda intrigados.
-Caramba! – Exclamou Max. – Sempre achei que os robôs não podiam matar.
-Hoje em dia, quando são fabricados para determinadas finalidades,já não tem o princípio da proteção à vida humana inseridas na sua programação.
-Mas isso aqui é assassinato! Robôs não matam de graça! Alguém os programou para tanto.
– Você notou que no momento em que os dois ainda estavam vivos havia eletricidade aqui?
-É verdade! Mas as câmeras de segurança estavam sem energia, elas só gravam no cartão de memória quando estão sem alimentação. Alguém deve ter desligado o sistema de vigilância imaginando que, assim não deixaria pistas.
-Temos de verificar a central de segurança, talvez, lá descubramos quem alterou o sistema. Agora…Pelo que entendi, – recapitulou Max, – o padre estava pagando uma operação de transplante do próprio cérebro para um outro corpo, e o presidente se encarregaria da cirurgia?
-Parece isso mesmo. – Concordaram Dredd e o mordomo.
-É mas tem algo errado aí….-Por-quê os dois foram decapitados? – O cérebro do padre, o que justamente deveria ser transplantado, ficou aqui e certamente agora não serve para mais nada. Em compensação, a cabeça do presidente desapareceu. O que foi feito dela?
-Teremos de descobrir.
-Tem mais; a transferência dos créditos das contas controladas pelo presidente para os bancos na Coxinxina foi feita no Domingo à noite, bem depois da ocorrência deste crime…
-São muitas incógnitas sem solução…
***
Seguiram os três para a central de segurança e lá constataram que aquela parte da residência era a única onde havia energia elétrica.
Também verificaram que a empresa contratada para fazer o monitoramento remoto recebia sinais enganosos dali que indicavam que tudo corria bem e que a situação dispensava até qualquer tipo de supervisão.
-Mas não é possível! – Exclamou Max! – Quem planejou tudo tinha acesso até aos equipamentos de segurança.
Contrariando as recomendações dadas no livro de regras do investigador policial, Dredd apertou alguns botões naquela aparelhagem fazendo com que esta parasse de enviar falsas imagens da situação e exibisse as verdadeiras.
As câmeras mostraram que as imediações da residência estavam estranhamente desertas, porém, num dos monitores havia algo incomum.
Ali, era mostrado um sujeito parado ao lado de um furgão estacionado no rebaixo da calçada da frente de uma garagem.
Max fez uma observação:
-Veja só… Esse cara parece tenso. Dá todos os sinais característicos de quem está aprontando alguma.
-Será um terrorista?
-Exatamente como nos manuais da academia.
Continuaram observando atentamente o monitor.
O sujeito na imagem parecia esperar alguém.
Tocava insistentemente uma campainha que ali havia.
-Quem mora ali?
-Esta garagem também é nossa. – Respondeu o mordomo. – Nela fica o laboratório pessoal do Sr. Presidente.
-O que tem esse furgão?
-Aparentemente uma carga para o laboratório. – O mordomo fez uma pausa e continuou. – Não faço idéia do que quer que seja. Ali ninguém entrava, só o próprio presidente.
-Vou averiguar! – Disse Max que saiu correndo de arma em punho para o local monitorado pela câmera.
A imagem mostrava que o homem do furgão abriu a porta de trás e deu uma olhada no que havia lá dentro.
Percebeu alguma coisa e voltou a olhar para fora.
Logo que se deu conta da aproximação de Max, teve alguns segundos de indecisão, mas, saiu correndo como louco, desobedecendo até, as ordens de parada que lhe eram dadas.
Max aproximou-se da parte traseira do furgão que ainda permanecia aberta e olhou para o seu interior.
-Meu Deus! Que horror!
Lá dentro havia uma pilha de cadáveres que, pelos vestígios, já se encontravam sem vida a apenas poucas horas.
Além de ser tétrica, a cena também era mal cheirosa.
Max se afastou do furgão para respirar e parou ao lado da entrada da garagem
onde por diversas vezes, o homem apertara insistentemente a campainha.
Também acionou a mesma, mas, a sua chamada foi um pouco mais incisiva, repetitiva e insistente.
Enquanto pressionava por diversas vezes o botão, berrava.
-Aqui é a polícia. Abre a porta!
Ninguém respondeu. O silêncio era completo.
Poucos instantes depois, Dredd também chegava a frente da garagem.
-Avisei a empresa que faz o monitoramento da segurança. Já estão enviando uma equipe para cá. Também alertei a central a respeito da situação. Logo vamos ter apoio por aqui.
-Ninguém atende a campainha. Já toquei um monte de vezes e nada! – Você já viu o interior do furgão?
Dredd olhou e ficou estarrecido. O cheiro quase o derrubou para trás.
Recobrou-se do impacto, olhou para a garagem e disse:
-Se ninguém atendeu, vamos entrar.
Aproximou-se da porta da garagem e tentou abri-la. Não conseguiu. Estava fechada.
Observou o local e a ela atentamente.
Tirou do bolso do seu capote um clipes de papel.
Desdobrou-o e enfiou-o na fechadura.
Fuçou na mesma durante alguns momentos até que a destrancou.
Espantaram-se com o que viram…
Não havia nada naquela garagem, na verdade, ela era acesso para um elevador. Ao lado da porta do mesmo havia um botão que Dredd logo fez questão de apertar. Puderam então constatar que o elevador estava funcionando.
Não tardou e ele chegou onde se encontravam os dois que, não tiveram dúvida e entraram.
No seu interior, não haviam botões com números de andares, e sim, um teclado alfa numérico para que fosse digitada a senha conforme as instruções colocadas na parede.
-Sem problemas! – Disse Dredd que sacou dos bolsos do seu capote um aparelho parecido com as antigas calculadoras.
Apertou neste alguns botões e prendeu-o próximo ao teclado onde deveria digitar a senha.
-Tenho que afixa-lo próximo à unidade de armazenamento de dados do painel de comando desse elevador, que deve ser aí mesmo…
Não passaram trinta segundos e uma seqüência alfa numérica apareceu na tela do aparelhinho.
Era a senha!
Dredd digitou os números no teclado do elevador e no painel apareceu uma mensagem.
“Acesso liberado escolha destino”
Como havia apenas um botão para o destino, só podia ser aquele mesmo.
Antes de aperta-lo, Dredd pegou seu telefone celular, ligou para o comando da central de polícia, informou onde estava entrando e transmitiu a senha de acesso do elevador.
Enviada a mensagem, apertou o botão do destino no painel do elevador e este começou a se mover dando a sensação que descia.
Avançou com grande velocidade parecendo acelerar cada vez mais.
O destino aparentemente não chegava nunca.
Quando os dois passageiros começavam a achar que iriam descer até o inferno, o elevador parou e as portas se abriram.
Depararam-se com um amplo salão onde haviam centenas de computadores, equipamentos médicos de alta tecnologia, e, bem no centro de tudo, a cadeira com uma pessoa sentada inconsciente e ligada a vários aparelhos médicos.
Não restavam dúvidas de que aquele era o laboratório do presidente.
Max aproximou-se do sujeito inconsciente enquanto Dredd observava outros pontos daquelas instalações.
Ao lado da cadeira do sujeito, se encontrava numa mesinha, a cabeça do presidente.
Seu tampo superior fora cortado e extraído com grande precisão, e o cérebro, já não estava mais ali.
Max então observou o homem inconsciente.
Verificou que na cabeça dele havia um grande curativo que só não cobria os olhos e o nariz.
Noutra mesinha ali ao lado, um vidro fechado lhe chamou a atenção. Tinha cérebro no seu interior imerso num líquido transparente.
Um rótulo o identificava:
“DOADOR”
Mesmo com tantos elementos de alta tecnologia, aquele ambiente tinha um ar sinistro e era mal iluminado longe da cadeira onde o homem estava sentado.
Justamente entre estas sombras foi que Max notou que no laboratório também estavam os robôs assassinos.
Imediatamente apontou para eles a arma que usava.
Mas, não puxou o gatilho.
Limitou-se a observar o comportamento das máquinas que permaneciam imóveis. Funcionavam, mas, não se mexiam.
Max não era perito em robótica, mas, notou que no peito das máquinas, algumas das luzes indicavam que os computadores que as comandavam aguardavam novas instruções.
Abaixou a arma e aproximou-se dos robôs. Estes, nada fizeram.
Continuavam aguardando instruções para a execução de novas tarefas.
Não notou, mas, nesse meio tempo, atrás de si, o homem sentado na cadeira abria os olhos e se livrava dos acessórios que estavam presos ao seu corpo.
Fez tudo com incrível rapidez.
Pegou ainda uma seringa de injeção com um líquido amarelo na bandeja de instrumentos disposta ao lado da cadeira e espetou no próprio braço se injetando o conteúdo que ali havia.
Levantou-se com um salto, aproximou-se pelas costas de Max e aplicou-lhe um forte karatê na nuca que o colocou inconsciente.
Entretido nas suas explorações por aquele ambiente tenebroso, Dredd só percebeu a movimentação quando o homem já havia desferido o ataque ao seu parceiro.
Mesmo assim, não perdeu tempo e mandou chumbo na direção do sujeito.
Com incrível rapidez, este parecia se desviar habilmente dos disparos que lhe eram dirigidos.
Correu em direção à mesa onde estava um laptop.
Percebendo essa intenção, Dredd mandou chumbo quente naquela direção.
O homem então ficou indeciso por alguns momentos.
Tentou novamente seguir naquela direção, mas, a saraivada de tiros que Dredd lhe mandava o desaconselhava.
Mudou então o seu objetivo: gargalhando e, com grande agilidade, correu em direção ao elevador cuja porta ainda estava aberta.
Lá dentro, apertou alguns botões no painel de comando e as portas se fecharam.
Não parou de rir um só instante.
***
-Acorde!
Max abriu os olhos e viu Dredd.
O local na nuca onde fora atingido ainda doía um pouco.
Olhou para a cadeira e viu que o sujeito não se encontrava mais ali.
-Estava começando a entender algumas coisas… –Dizia Max. – Aí levei esta pancada.
-Não se preocupe! Mesmo que você tenha ficado com alguns parafusos a menos, tenho aqui algo arrasador. -O quê!?!
-Encontrei uma bomba! Vai demolir com tudo!
-Meu Deus! Então vamos sair daqui e chamar o esquadrão anti-bombas.
-Não é esse tipo de bomba! Veja.
Dredd entregou para Max o laptop com vários gráficos e tabelas à vista no monitor.
-Esta é uma prova inconteste de crimes que acontecem diariamente nos hospitais administrados pelo presidente: tráfico ilegal, roubo de órgãos humanos provenientes de cadáveres e até de gente viva, tráfico e prescrição de drogas proibidas no tratamento de doenças, transplantes ilegais, experimentos ilegais com animais e seres humanos, cirurgias plásticas para criminosos, corrupção para mudanças na ordem da fila de transplantes de órgãos e, por aí vai… O pior, é que, frequentemente, esses crimes tem a anuência e participação de gente poderosa e de reputação ilibada.
Max olhou mais atentamente alguns dos nomes que ali apareciam.
-Meu Deus! Que horror! Isso aí envolve gente em todos os níveis na sociedade.
-É dinamite pura!
-Vai arrasar meio mundo!
-Tem razão! Só que, nós temos um problema.
-Qual?
-Estamos presos aqui. O nosso amigo da cadeira escapou e travou o elevador lá em cima. Já tentei chama-lo de volta e nada.
-Usou o celular para pedir socorro?
-Está sem sinal! Aqui em baixo não funciona, mas, pelo socorro não precisamos nos preocupar. O apoio deve estar chegando e já está até sabendo da senha para usar no elevador.
-Então, o negócio é esperar. – Podemos continuar aquela partida?
-Claro! Por-quê não?
Assim que terminaram de por em funcionamento o tabuleiro eletrônico que Dredd trazia no bolso do capote, o aguardado apoio chegou. Sequer tiveram tempo para um lance no jogo.
***
-Parece que interrompi outra partida de vocês. – Disse o barbudo logo que saiu do elevador.
-Já estamos acostumando. – Disse Dredd desligando o tabuleiro eletrônico.
-Vocês deviam ter esperado o apoio chegar antes de entrarem neste laboratório. Arriscaram muito descendo por este elevador.
-É verdade! Mas, veja chefe, – disse Max entregando para o barbudo o laptop com as provas do crime -, descobrimos uma tremenda bomba. Esse caso vai dar trabalho para a promotoria durante um bom tempo.
-Não se esqueça que fomos nós que descobrimos tudo. – Complementou Dredd.
-Isso mesmo! Tivemos até de suspender a final decisiva pelo campeonato da temporada! Merecemos promoção e aumento.
O barbudo olhou para o laptop e disse:
-Promoção e aumento não vai dar já que a verba para segurança não aumentou um único centavo nos últimos governos do nosso país. Pelo contrário. Só diminuiu. Agora, com relação ao caso…
E não conseguiu terminar o que ia dizer.
Saiu do elevador um engravatado de óculos, pele clara, cabelos pretos e cara de burocrata.
-Chefe Norris! – Dirigiu-se ele ao barbudo enquanto pegava das mãos deste o laptop com as provas dos crimes. – Permita que eu me apresente a estes senhores.
Sem estender a mão para Dredd ou Max, disse:
-Sou o chefe geral da promotoria nacional. A despeito do trabalho que tiveram, essa investigação não prosperará. Não será feito, relatório, inquérito nem haverá processo, e, os senhores, deverão manter segredo de tudo o que descobriram.
-Mas esse caso envolve vários crimes e tem muita gente importante envolvida. – Reclamou Max. – Sem mencionar o sumiço do dinheiro das contas do centro hospitalar…
-Tenho certeza que o próprio presidente do complexo hospitalar está envolvido nesta história! – Complementou Dredd. – E não é como vítima não! Basta olhar a programação dos robôs! Eles foram preparados não só para executar o crime, mas também, a cirurgia que transplantou o cérebro do corpo do presidente para o do doador que o padre trouxe. Sem mencionar que ainda fizeram todas as transferências bancárias dos valores desaparecidos das contas.
-Se é que pode se dizer que houve uma vítima aqui, foi o padre. – Comentou Max. – Mesmo sendo um pilantra de primeira categoria, ele foi enganado pelo presidente que acabou tomando para si o corpo do “doador”.
-A transferência do dinheiro das contas do centro hospitalar para o banco da Coxinxina foi feita pelos robôs através deste computador. Basta analisar seu histórico de uso. As provas são irrefutáveis.
-Nessa história só tem pilantra! É um dos poucos casos em que o mordomo é o honesto.
-Ainda nada foi provado…
-Senhores! Por favor! Ouçam o que o homem tem a dizer. – Insistiu o barbudo. -Obrigado, chefe Norris. – Agradeceu o engravatado. – Vamos por partes, cavalheiros. Com relação ao dinheiro das contas do centro hospitalar, o problema já foi resolvido. O gerente geral que comunicou o fato a vocês foi removido do cargo e não trabalha mais lá. Oficialmente, ele comunicou um crime inexistente e acabou no olho da rua. Outra pessoa já assumiu o seu lugar.
-Caramba! A coisa então é grande mesmo, hem… – comentou Dredd -Envolve: o Ministro da Justiça, o Presidente da República e ainda muitos outros mandatários dos poderes legislativo e judiciário. – Esclareceu o promotor. – Isso, sem contar os membros de diversas prefeituras e outros poderosos que, de uma maneira ou de outra devem favores ao complexo hospitalar e seus dirigentes.
Ele respirou fundo, fez uma pausa, tirou os óculos, limpou suas lentes e continuou:
-Lembrem-se do gerente do centro hospitalar. O mesmo pode acontecer com qualquer um de nós se falarmos de mais. Tem muita gente poderosa interessada em abafar este caso. Ninguém quer saber os motivos reais desse e outros crimes eventualmente relacionados entre si.
Max e Dredd olharam para o barbudo como se indagassem:
-E agora?
-Não olhem para mim, rapazes! – Ele respondeu aparentando ter lido os pensamentos dos dois. – O comissário falou pessoalmente comigo e confirmou tudo o que está sendo dito aqui para vocês. Ninguém deve comentar mais nada a respeito desse caso.
O barbudo ainda respirou fundo, olhou para o chão e disse:
-Não se chateiem comigo. Assim como vocês, estou recebendo ordens.
-Mas alguém vai querer investigar as mortes do padre e do presidente. Mesmo envolvidos com o crime, ele eram figurões! – Disse Max.
-O enterro deles já está sendo providenciado. – Esclareceu o promotor chefe. – a história oficial a ser divulgada jogará fumaça na opinião pública até que tudo isso seja esquecido.
Os quatro ficaram então em silêncio.
Dredd segurou o braço de Max pela parte de trás dizendo:
-Nosso trabalho aqui terminou, parceiro! Acho melhor irmos embora.
***
A partida de xadrez recomeçou.
Max e Dredd estavam compenetrados!
Tanta era a concentração que até aparentavam estar com a cabeça fervendo.
Os lances se sucediam em velocidade e com precisão fazendo com que o jogo ficasse mais dramático a cada instante.
Foi então que o clima de compenetração foi quebrado!
O celular de Dredd estava tocando.
Dredd tirou-o do bolso e mostrou-o para Max dizendo:
-Vê?? Eu deixei desligado.
-É coisa do barbudo! Um dia vou descobrir como ele faz isso.
-Certamente! Mas, agora, descobriremos quem será o campeão.
-Mas… E o chefe Norris? Ele está chamando…
-Dessa vez o barbudo espera o final da partida.
Dizendo isso Dredd tirou a bateria do celular, enrolou-o no meio de várias roupas e deixou-o de lado.
A partida então prosseguiu tranqüila sem interrupções, até que, outro celular tocou. Dessa vez era o de Max.
-Se for o barbudo desliga. – Disse Dredd.
Max olhou o identificador de chamadas.
-É ele mesmo.
Desligou o aparelho, tirou a bateria e guardou-o junto com o de Dredd.
Mesmo assim, como um passe de mágica, os dois voltaram a tocar insistentemente…
Max e Dredd esqueceram do barulho infernal e se concentraram única e exclusivamente no jogo.
Só assim mesmo é que foi possível fazer a partida prosseguir até o seu decisivo final.