Capitão Cornetóla estava em crise.
Torcedor fanático do CLUBE DO CACHORRO BRANCO já não sentia a alegria de vê-lo trazer títulos a um looooongo tempo.
Em compensação, a grande rival do CACHORRO BRANCO, a tradicional e internacionalmente conhecida ASSOCIAÇÃO ESPORTIVA DO GATO PRETO SAMBISTA já tinham até ganho um Campeonato Mundial em torneio válido pela WORLD FOOTBALL CHAMPIONS LEAGUE.
Para piorar, o time do CACHORRO BRANCO já não ganhava mais nada e os jogadores viviam brigando e discutindo entre si.
Como o leitor mais perspicaz já percebeu, o Capitão Cornetóla era doente demais pelo seu time.
Aquele tipo de torcedor que só fala de futebol e do CACHORRO BRANCO.
Tão viciado era, que nunca tinha transado na vida …
Seu tempo era todo só dedicado ao CACHORRO BRANCO.
Você poderia chamar o sujeito para brigar ou mesmo cometer algum ato de barbárie,
muitas vezes até criminoso , dizendo que fosse pelo time que ele iria sem titubear.
Mulher com ele, só se fosse do CACHORRO BRANCO!
Se uma linda garota torcedora do GATO PRETO o convidasse, com todas as despesas pagas, para uma noite de prazeres, alegrias e muito mais, ele recusaria!
Assim como todo bom torcedor de futebol, o Capitão tinha lá suas manias e crendices. Não afirmava publicamente, mas era um sujeito supersticioso e meio influenciável pelo assunto.
Uma vez, por mera curiosidade, entrou na tenda de uma adivinha para fazer consulta do futuro…
Desnecessário dizer que vestia no momento o kit oficial do seu time predileto composto de: camisa, meias, calca, gorrinho, cueca e chaveirinho. Ah! E a carteira com o Certificado de Torcedor Associado que o capitão Cornetola carregava sempre para “provar” a qualquer hora que era um legítimo CACHORRO BRANCO de verdade.
A adivinha de plantão olhou para o cidadão, fez uma pose de contatos imediatos com o além, colocou a mão na testa, fechou os olhos, fez biquinho e disse com voz cavernosa:
-Você é torcedor do CLUBE DO CACHORRO BRANCO!
A performance da adivinha ao simplesmente dizer esta frase foi extraordinária. Chamou a atenção do Capitão deixando-o pálido.
Fato este que ficou muito evidente mesmo.
E a adivinha percebeu.
Em seguida, fez de supetão uma proposta que realmente impressionou o distinto torcedor.
-Você me dá um dinheiro e eu farei um feitiço para o seu time ganhar no jogo de amanhã.
Ao ouvir aquela proposta, o Capitão sentiu uma forte lufada de ar fresco nos seus pulmões e no coração.
De-repente sentiu-se o dono do destino do CACHORRO BRANCO.
Podia influenciar o campeonato de forma que o seu time fosse, de agora em diante, o único a alcançar as mais altas glórias.
Sem pestanejar diante de uma importante, indiscutível, e inadiável questão como aquela, O Capitão Cornetóla sacou a carteira do bolso e tirou dela todo o dinheiro que poderia gastar naquela brincadeira.
Aproximadamente uns 50 paus!
Rápida, a adivinha tirou o dinheiro das mãos do capitão, fez um olhar de pouco caso e disse com ares de desprezo:
-Esse seu dinheiro só vai dar para um gol.
O capitão Cornetóla vasculhou os bolsos novamente, mas nada encontrou.
-Não dá para fazer desconto?
-Um gol é um gol.
-Posso pagar amanhã?
-Pagamento adiantado senão pode esquecer dos gols.
-Não tenho mais dinheiro , disse o capitão com evidente tristeza -Arriscarei tudo
nesse gol.
Resignado, o capitão Cornetóla deixou a adivinha e foi para casa aguardar o destino
do jogo.
***
No dia seguinte à hora marcada a partida ocorreu…
Ela não começou fácil parecendo até bastante emperrada.
Ninguém se mostrava interessado em correr atrás da bola, dominá-la e marcar um gol. Essa foi a tônica durante o primeiro tempo e também no segundo.
Aos quinze segundos do fim da partida a bola sobrou no pé de Tortoloni um dos atacantes do CACHORRO BRANCO que, quase sem querer, deu uma bica em direção a gol e acertou.
Fez o único e salvador gol que tirou o clube do jejum de vitórias. Vale lembrar neste momento que o seu autor, salvou-se de ser mandado embora, já tinha a cabeça à premio junto à torcida, devido à sua falta de talento e disposição.
Mas naquele momento todo mundo estava contente.
Feliz e satisfeito, o Capitão Cornetóla foi para casa.
Então ocorreu-lhe novamente a idéia: Poderia manipular os resultados do jogo através dos poderes da adivinha? Atormentado pela possibilidade de ter encontrado a salvadora mina de ouro que, finalmente tiraria agora o CACHORRO BRANCO do jejum de títulos, o capitão mal conseguia dormir.
Em sonhos imaginava o CACHORRO BRANCO vencendo o famigerado GATO PRETO numa final valendo um título mundial.
Sentia até o sabor da cerveja da comemoração da vitória na língua e ainda se deleitava com o simples pensamento da farra que faria espancando junto com a turma, os torcedores do time adversário.
Mais tarde dormiu o sono dos justos e inocentes…
***
Passou-se outra semana e o Capitão conseguiu mais dinheiro para pagar gols para o seu time.
O próximo jogo seria contra o FUTEBOL CLUBE DO PEIXE VELHO CAMPEÃO e poderia até dar ao CACHORRO BRANCO a vaga para a semifinal do campeonato em caso de vitória.
Sem titubear, Capitão Cornetóla deixou de comprar comida para pagar dois gols para o seu time.
Foi na adivinha, que o recebeu com pouca ou nenhuma modéstia.
-Meu feitiço não falha. O CACHORRO BRANCO ganhou porquê você pagou pois, do jeito que tava jogando mal, nem aquele golzinho chorado merecia.
Capitão Cornetóla engoliu em seco, tinha que concordar com a adivinha pois, o seu time realmente vinha jogando muito mal.
E nesse momento, o pobre fanático mais uma vez externou sua aflição através de uma simples expressão facial.
Expressão esta que, a adivinha espertosamente percebeu. Daí, ela concluiu que ainda poderia ganhar mais algum em cima do pobre fanático.
A preocupação do Capitão Cornetóla com o seu time era bem visível.
-O próximo jogo não será tão fácil. Disse a adivinha fazendo gestos dramáticos ao redor de uma bola de vidro colocada estrategicamente sobre a mesa diante dela.
-Vejo um grande peixe avançando furioso querendo devorar tudo diante de si. Apavorado com a encenação dramático-teatral da adivinha, o torcedor foi logo dizendo:
-Espere! Eu tenho um dinheiro aqui!
Desesperado, ele sacou cem paus e colocou na mesa:
-Dois gols não serão suficientes, o peixe está furioso e quer ganhar. Ele também está na fila do título já a algum tempo.
A adivinha era bastante expressiva nos seus gestos, mesmo silenciosamente, ela ainda parecia dizer:
-Só com esse dinheiro não vai dar não.
Meio a contra-gosto, o fanático torcedor diante de tão importante decisão não teve dúvida, sacou do pulso o relógio e colocou na mesa.
A adivinha colocou o relógio no próprio braço e fez alguns gestos dramáticos com os olhos fechados.
Em seguida, voltou ao normal e disse: -Agora segue que o teu time tá protegido.
***
Veio então o fatídico dia do clássico jogo do Cachorro Branco conta o Peixe Velho Campeão.
Conforme era o praxe em momentos assim, o Capitão Cornetóla estava realmente ansioso.
Não só pelo valor dessa partida dentro do campeonato, mas, também, pelo fato da grana que investira nos gols.
O time do CACHORRO BRANCO entrou em campo fazendo a costumeira barulheira e logo depois vieram os jogadores do Peixe.
A partida começou com muitos chutes nas canelas, ponta-pés, puxões de camisa, empurrões e cotoveladas.
Toque de bola, dribles, jogadas inteligentes e desconcertantes conforme o saudoso futebol de antigamente nem pensar!
A arbitragem também estava péssima, os bandeiras e o juiz pareciam mais atrapalhar o bom andamento do jogo do que propriamente ajudar, mesmo assim, o Peixe logo marcou dois gols deixando o CACHORRO BRANCO em situação desvantajosa no placar.
O fanático torcedor se viu maluco com aquela situação desvantajosa.
As coisas continuaram naquela balada até os dez minutos do segundo tempo quando o juiz, num de seus momentos de insanidade, marcou um penalty inexistente a favor do CACHORRO BRANCO.
Àquelas alturas, não se poderia imaginar uma radical mudança no placar.
A batida do penal foi feita pelo experiente Tortoloni que apesar da sua avantajada barriga não titubeou e converteu o primeiro gol do CACHORRO BRANCO.
O jogo recomeçou e, logo, a bola caiu no domínio do time do Capitão Cornetóla. Como que por mágica, numa jogada ensaiada, o gol de empate saiu!
A torcida foi ao delírio. Dalí por diante os dois times arrancaram para o tudo ou nada, afinal, naquele jogo, só a vitoria interessava.
E o tempo por outro lado, ia se tonando cada vez mais escasso. No terceiro minuto de acréscimo do segundo tempo, num lance realmente absurdo, o goleiro do Peixe deixou a bola escapar entre os dedos durante uma defesa mal feita e um dos jogadores do CACHORRO BRANCO aproveitou a chance fazendo o terceiro gol.
Naquele momento, o Capitão Cornetóla quase teve um súbito infarto: o seu time iria disputar a semifinal!
Tão importante clássico do futebol campista seria contra o temível time da Associação Futebolística do Apóstolo Escritor do Novo Testamento.
Time de nome complicado que figurava entre os maiores campeões de futebol do país, tendo já por 2 ocasiões conquistado o título mundial!
O espaço de tempo entre o jogo contra o Peixe velho Campeão e a partida seguinte que o CACHORRO BRANCO iria disputar não ultrapassava Cinquenta horas e o Capitão Cornetola ficou imaginando onde arrumaria a grana que pagaria os gols para a adivinha.
As horas foram passando e o fanático torcedor garimpou dinheiro de todos os locais possíveis e imagináveis que lhe estavam acessíveis resultando todo o seu esforço em míseros 50 paus, ou, o equivalente a 1 gol!
Visivelmente apavorado, o Capitão Cornetóla viu diante de si a possibilidade de não conseguir manipular o campeonato comprando da adivinha novos gols para o seu time.
-Terei de arriscar com 1 gol só!
Repassando mentalmente todos as possibilidades de conseguir dinheiro que tinha diante de si, o Capitão Cornetóla foi lentamente caminhando até a tenda da adivinha.
A adivinha, logo que percebeu a chegada do Capitão Cornetóla guardou até o jornal esportivo que estava lendo para apurar melhor o seu poder de previsões futebolísticas…
-Lá vem o pato que eu vou depenar enquanto esse time do CACHORRO BRANCO continuar ganhando- pensou ela.
Assim que o Capitão si viu diante da adivinha, esta acendeu um cachimbo com fumo bem fedorento enchendo o recinto com uma névoa de fumaça branca.
-Preciso impressionar esse cara! Pensava a esperta adivinha. Tenho de arrancar dinheiro dele!
O fanático torcedor abreviou a conversa mole e com cara de espanto foi diretamente ao assunto:
-Só consegui dinheiro para um gol. Sei que não é muito mas o CACHORRO BRANCO tem que, alcançar a vitória dessa vez. Da próxima eu prometo trazer mais dinheiro!
A adivinha pegou o dinheiro quase que como se estivesse tocando algo repugnante…
Triste, ela suspirou sabendo que aquela quantia, perto da que esperava arrancar do otário torcedor era pelo menos, bem menos da metade do que desejaria.
Resignou-se rapidamente com uma forte respirada mas, logo disse com ar sério.
-Será muito difícil! Não sei se com apenas essa quantia o serviço dará resultado mas, como você já veio aqui outras vezes, eu irei tentar.
Fazendo uma pausa dramática, ela continuou.
-Agora lembre-se: A vitória na final irá te custar 3 milhas!
-Nossa! Mas eu não tenho todo esse dinheiro nem imagino como conseguir!
-Final é Final. Não se esqueça que vale um campeonato. Seu time pode finalmente sair da fila e ser campeão!
Quando a adivinha mencionou essa possibilidade, olhos do Capitão Cornetóla brilhavam e sua boca até abriu.
A adivinha, percebendo do fato continuou a controlar a situação.
-Para que o CACHORRO BRANCO seja campeão terei de ir a um cemitério fazer um acordo com um defunto que vai levar o pedido para o além. Esse serviço não é barato mas dá resultado! Não falha! Depois desse poderoso feitiço, teu time nunca mais vai perder…
O efeito foi o desejado…
Livido e meio sem ar, o Capitão Cornetola ficou de pé e, muito perturbado com a última frase dita pela adivinha ele disse.
-Se o CACHORRO BRANCO vencer o Apóstolo Escritor, eu dou um jeito para trazer essa grana!
O desespero pela questão estava escrito no rosto do fanático torcedor.
A adivinha sabia que naquele momento não conseguiria espremer mais o pobre torcedor.
Percepção para sacar quando o cliente estava duro ela tinha até mais do que propriamente para os assuntos sobrenaturais.
Nesse momento, vendo a janela de grana que poderia pintar caso o time daquele fanático torcedor fosse para a final do campeonato, a adivinha também começou torcer para que o futebol do CACHORRO BRANCO superasse o do Apóstolo Escritor.
Era um jogo de incertezas classificatório para a grande final do Campeonato e o nível de ansiedade das torcidas era altíssimo já mesmo no dia anterior.
***
O tempo passou e, finalmente chegou o esperado momento do clássico.
Naquele dia, o estádio “Terra das Cobras” que, casualmente também era a sede do time do Apóstolo lotou 2 horas antes do começo da partida.
No início o jogo então, haviam torcedores onde não era nem permitida a permanecia.
Logo nos primeiros momentos do clássico, um zagueiro do Apóstolo entrou forte no atacante do CACHORRO BRANCO.
Não foi uma entrada realmente maldosa, mas o experiente jogador do CACHORRO BRANCO fez um vôo acrobático tão dramático que o juiz logo resolveu aplicar um penalty seguido de cartão vermelho.
O goleiro do Apóstolo, que via a cena de frente, e, sabedor de que o lance não fora lá essas coisas, resolveu cobrar explicações do juiz.
Infelizmente, de uma maneira desrespeitosa…
Talvez porquê fosse fisicamente maior, ou até pelo fato do árbrito ser de cor, o arqueiro logo chegou falando grosso e com o dedo em riste.
Não é preciso dizer que o juiz logo sacou outro vermelho.
Com dois jogadores a menos e um penal prestes a ser batido contra o seu gol, instaurou-se uma rebelião no time dos Apóstolos.
Todos eles cercaram o juiz e começaram a empurrá-lo cobrando explicações daqueles erros lamentáveis.
O árbitro que não era trouxa nem nada, logo correu em direção aos policiais solicitando proteção, e estes o cercaram formando uma barreira intransponível, protegida por escudos, cassetetes, cães, gás lacrimogênio, pimenta além é claro, das tradicionais armas de fogo, e outros artefatos belicosos…
Diante dos acontecimentos que se sucediam dentro do próprio estádio, a diretoria da Associação Futebolística do Apóstolo Escritor do Novo Testamento resolveu dar ordens ao técnico para retirar todo o time de campo.
Logo, os advogados e conselheiros do time iriam processar o juiz por tamanha injustiça no jogo.
Mas as coisas não ficaram nisso; meia hora depois dos jogadores do time do Apóstolo Escritor terem saído de dentro das 4 linhas do campo, o juiz mandou o jogador do CACHORRO BRANCO bater o pênalti.
Não havia ninguém do time do Apóstolo para defender o gol e foi chamado o artilheiro Alexandrinho Carioca para dar o chute.
O batedor do CACHORRO BRANCO, mesmo sem ninguém na frente para defender o gol, fez aquela pose de herói diante do seu time e da torcida.
Afastou-se para trás quatro passos da bola e meteu a bicuda…
Antes que a bola saísse do campo, o juiz já estava mandando a penalidade ser cobrada novamente, afinal, se não fosse assim, não haveria gol, pois, o desastrado artilheiro afinou na hora de fazer o serviço mandando a redondinha pra foooooora…
Alexandrinho Carioca bateu outra vez, dando um chute suave e rasteiro em direção ao gol para ter certeza de que não iria errar.
Ainda assim, o chute saiu tão fraco que a bola parou quatro dedos após a linha do gol.
Era tudo que o CACHORRO BRANCO precisava!
O Juiz encerrou a partida apontando e apitando em direção ao centro do campo enquanto o Capitão Cornetóla gritava e delirava de alegria incontida.
Voltou para casa somente na manhã seguinte depois de passar a madrugada comemorando.
***
Lá pelo meio dia, recuperado da ressaca pós comemorativa, ligou a TV para se atualizar do movimento do mundo dos esportes.
Assistiu a reprise da partida do seu time e também as reportagens e debates esportivos característicos das típicas programações medíocres de TV.
Durante esses programas teve uma grande surpresa inesperada: a final seria disputada contra os arqui-inimigos do GATO PRETO.
Para o CACHORRO BRANCO, devido ao maior número de pontos, um empate com qualquer placar já dava a taça do Campeonato e trazia a glória suprema da saída do jejum de títulos.
O caso do GATO PRETO já era um pouco mais complicado.
O time, que junto com os seus torcedores carregava a pexa de “atormetados” milagrosamente chegara às finais empatando todas as partidas que jogou. Não ganhara nenhuma!
O baixo nível da competição era tal, que nem jogadores, nem árbitros faziam direito os seus serviços.
A bola era constantemente judiada, pisoteada e o torcedor acabava sentindo que desperdiçou seu dinheiro num negócio que nem de longe pode ser chamado de espetáculo. Ainda assim, aqueles mais fanáticos como o Capitão Cornetóla sempre vão acompanhar os seus times onde quer que eles tenham de jogar.
Principalmente num clássico tão importante como aquele entre o CACHORRO BRANCO e o GATO PRETO.
Especialmente neste dia, o Capitão Cornetóla queria garantir que a data ficasse gravada de forma inesquecível como uma das mais felizes de toda a sua vida . Para tanto, teria de levar à adivinha o dinheiro prometido.
Sentia que aquela era a sua OBRIGAÇÃO para com o time.
Tinha de dar a participação própria.
Nesse momento, desceu no Capitão Cornetola o espírito destrutivo do mal que lhe deu uma grande idéia…
Na calada da noite, pegou em ferramentas e quebrou algumas máquinas vendedoras de TICKETS para estacionamento saqueando toda a grana contida nelas.
Para o Capitão Cornetóla era válido, roubar, saquear, destruir, brigar, agredir ou mesmo matar para que o seu time não tivesse a honra ofendida ou até saísse em desvantagem.
E também tinha outra: umas pingas a mais na cabeça e logo qualquer resquício de remorso por fazer esse tipo de coisa iria embora.
Ademais, como forma de aplacar qualquer excesso de peso na conciência do torcedor, nenhum tostão sequer da “arrecadação” do “contribuinte involuntário” ficaria nas mãos do fanático torcedor.
Tudo iria em pról do seu time para as mãos da adivinha!
Capitão Cornetóla contava cada centavo daquele dinheiro imaginando que só chegara àquela atitude extrema porquê a final do campeonato seria disputada contra o time rival do GATO PRETO.
-Essa grana totaliza mais que o dobro que a adivinha pediu. Quero que fique com tudo para ter certeza de ela e os espíritos do além farão o melhor pelo CACHORRO BRANCO.
***
Pelo outro lado, quando a adivinha viu o fiel torcedor aparecer na sua tenda com a mala cheia de dinheiro quase foi à loucura.
Nem lembrava quando foi a última que vira pessoalmente tanta grana junta na sua vida.
O dinheiro todo mexeu com a cabeça dela.
Extasiada, a adivinha começou a falar pelos cotovelos…
-Depois dessa oferta, meu filho, o seu time não perde mais. Vai sossegado que agora
a vitória está garantida. Os céus vão iluminar o caminho do CACHORRO BRANCO e daqui para frente tudo vai ser só alegria. Vocês vão levar essa de goleada! Teus inimigos vão cair e voltar para casa com o rabo entre as pernas.
O Capitão Cornetóla levantou-se da cadeira que estivera sentado agradecendo a adivinha com abraços, cumprimentos e lágrimas nos olhos por aquelas palavras tão lindas e confortadoras.
Parecia até que uma tonelada de peso fora retirada de dentro da sua cabeça e as alegrias sem fim iam tomado conta do torcedor.
Chorando de felicidade, o Capitão Cornetola partiu deixando a Adivinha extasiada diante da pequena fortuna.
Tanta era a alegria dela que logo resolveu comprar bastante bebida e fumo para comemorar…
Entrou com tanta empolgação na roda viva da bebedeira e das drogas que ficou atordoada sem rumo durante vários dias seguidos…
***
Enquanto isso, pela primeira vez na sua vida, o Capitão Cornetola havia até deixado de pensar no CACHORRO BRANCO e na decisão do campeonato.
Nos dias que se seguiram, as pessoas conhecidas estranharam até a incomum tranquilidade apresentada pelo fanático e conhecido torcedor num importante momento de ansiedade como aquele.
Nessas horas, o Capitão Cornetola apenas falava…
-Estou tranquilo. Sei que o campeonato é nosso! É apenas uma questão de ir buscar o caneco.
E foi assim até o dia do jogo: a adivinha enchendo a lata de cachaça e o Capitão Cornetola leve e “light” como uma pena.
***
Chegou então o momento da esperada final.
Para variar, o estádio estava lotado e ambas as torcidas bastante exaltadas. Contrastando com toda essa empolgação estava o Capitão Cornetola sossegado e
tranquilo como se apenas estivesse lá para presenciar um fato consumado, já que os Periquitos precisavam apenas de um simples empate para garantir o campeonato.
Veio então o início do jogo que foi se desenrolando um tanto apático e sem graça…
O GATO PRETO, mesmo armado de seus grandes craques como Platão e Casapequena, não parecia interessado em fazer um gol.
A partida não era emocionante já que os jogadores das duas equipes acabavam tomando olé da própria bola, pois esta, parecia até ser dona de vontade própria…
Sobraram pontapés, empurrões, chingamentos e reclamações.
O tempo foi passando e nada de gol para nenhum dos lados!
Veio então o segundo tempo e a tônica do jogo continuou sendo a mesma. Nada de
nada, nada de nada!
Para os periquitenses, a situação, se continuasse aquela, dava o campeonato,
porém, o Capitão Cornetóla havia pago a goleada e isso era tudo o que ele queria e acreditava que aconteceria.
Até os dez minutos do final do segundo tempo, o Capitão Cornetóla acreditava que essa goleada seria até de uns 5 gols!
Como o tempo foi passando e nada acontecia, sua estimativa numérica diminuiu…
Aos oito minutos ele ainda achava que quatro gols na testa do GATO PRETO ainda eram possíveis.
Aos cinco minutos do final do jogo, quando a torcida do CACHORRO BRANCO começava a comemorar o título, o Capitão Cornetola ainda acreditava em pelo menos 3 gols…
Passaram-se mais dois minutos e o Capitão Cornetola ficou imaginando de onde sairia a goleada prometida em tão pouco tempo.
-Teria a adivinha cometido alguma imprecisão na sua previsão?
Um minuto após essa dúvida, veio o tão esperado gol.
Neguinho Capeta invadiu a área, enganou o zagueiro armário, deu um drible da vaca no goleiro São Careca, chutou e fez…
Neguinho Capeta pegou a bola do fundo da rede e ainda saiu comemorando o gol do GATO PRETO sobre os CACHORRO BRANCO dando embaixadinhas pelo campo.
Os jogadores do CACHORRO BRANCO, que até aquele momento comemoravam antecipadamente o título, se viram enrascados!
Faltando tão pouco tempo, tinham de fazer pelo menos um gol para assegurar o tão esperado título.
O craque canino Diabo Loiro partiu para cima do Neguinho Capeta, que fazia suas manobras exibicionistas com a bola e, tentando tomá-la do autor do gol a fim de reiniciar o jogo rapidamente empurrou-o violentamente jogando-o no chão.
Aí começou a confusão!
Jogadores do GATO PRETO, revoltados com a atitude violenta do Diabo Loiro, partiram com tudo para cima deste.
No meio da briga, e vendo que faltava pouco tempo, o árbitro encerrou o jogo dando a vitória do clássico e o título do campeonato para o GATO PRETO.
A torcida canina ficou em silêncio enquanto a sua rival já fazia o carnaval da vitória.
Revoltado e gritando a plenos pulmões, o Capitão Cornetola deixou rapidamente o estádio indo correndo à velocidade de um ciclone até a tenda da Adivinha.
Quanto mais demorava para chegar, mais a raiva acumulava.
Entrou na tenda da adivinha arrebentando tudo.
A infeliz não teve tempo de fazer nada, nem mesmo de reagir ou soltar uma
explicação tão bêbada que estava.
O Capitão Cornetóla a matou com pauladas e, para completar, ainda tocou fogo em
tudo.
Sequer achou o menor sinal do dinheiro que havia pago malfadadamente pela vitória
do seu time…
Um pouco menos revoltado por ter bancado o trouxa além de ver o seu time perder a
final para os maiores rivais, o capitão Cornetóla deixou a tenda da adivinha dando de cara com dois policiais.
Não é preciso dizer que foi preso em flagrante e condenado a dividir pelo resto de sua vida uma cela com outro condenado maior e mais forte que ele que era fanático torcedor dos GATO PRETO e durante todos os dias cantava a plenos pulmões o hino do seu time predileto.
Graças a este companheiro de cela, por fim, o Capitão Cornetola perdeu sua tão resguardada virgindade.
***
MORAL DA HISTÓRIA: Não confie em previsões de adivinhos e muito menos no futebol…